O Caminho da Caverna de Buda
- Rosane Abude
- 28 de ago. de 2020
- 4 min de leitura
Atualizado: 11 de nov. de 2020
Por Rosane Abude

Buda sempre teve um lugar muito especial no meu coração. Admiro muito a filosofia budista. Busco guiar o meu comportamento, formar o meu caráter e as minhas crenças, através desses ensinamentos também.
Um dos valores mais ensinado e praticado pelos seguidores de Buda é a compaixão. Eles acreditam que apenas com um coração compassivo erradicaremos o ódio e as dores do mundo.
Por tudo isso, um dos lugares que eu mais ansiava visitar na Índia era a caverna, onde Buda se iluminou.
Como já disse, na Índia nada fica somente na teoria, tudo que você vive por lá (ainda mais quando você vai em busca do aperfeiçoamento do seu espírito) é provado na prática.
Chegou o dia tão esperado, pegamos o ônibus e fomos em direção à montanha onde fica a caverna. Chegando lá, descemos do ônibus e nos deparamos com várias mães sentadas no chão com suas muitas crianças. Até aí, nenhuma novidade. Esta cena é muito comum na Índia.
Fiquei quietinha, um pouco distante do grupo, esperando a ordem do nosso guia para iniciar a caminhada até a caverna.
Quando foi dada a ordem para o grupo se juntar e começar a subir, o filme de terror começou. Um monte de crianças correu até cada um de nós e segurou em nossas mãos. Na hora, fiquei completamente perdida, sem entender o que estava acontecendo. Então, o guia gritou de lá: “Podem segurar as mãos das crianças, elas irão nos acompanhar até a caverna e depois vocês dão dinheiro a elas.”
Eu olhei para baixo e tinham três crianças ao meu redor: uma segurava a mão esquerda, a outra, a mão direita, e um bebê no colo de uma delas. Que fofo, não é? NÃO. Nada fofo.
Eu pensei: “Como assim? Essas crianças estão descalças, esqueléticas e famintas. Está um calor escaldante, o chão está quente, o bebê é pele e osso. Não posso permitir que elas subam a montanha debaixo desse sol quente, que nem eu mesma estou aguentando.” Eu disse a elas: “Não precisa, não quero que subam comigo.” Mas elas não largavam a minha mão e ainda seguravam na minha roupa.
Enquanto eu estava ali parada, sem saber o que fazer, o grupo subia alegremente, sem absolutamente nada perturbá-lo.
Como não queria ficar ali sozinha, dei o dinheiro para as crianças e corri atrás do grupo. Quando eu olhei pra trás, as crianças estavam correndo atrás de mim. Eu gritava: “Não. Desçam. Não precisam subir comigo.” Corria para um lado, para o outro, mas nada adiantava, elas continuavam a me seguir e tentar pegar na minha mão.
Neste momento, comecei a perceber que eu era a única a fugir das crianças e fiquei muito sem graça. Resolvi, então, amenizar o “sofrimento” delas e pedi para segurar o bebê. A criança não quis ficar no meu colo, nem por alguns segundos. Ela me estranhou, é claro! Mas estes segundos foram uns dos mais dolorosos da minha vida. O bebê não tinha peso algum, de tão magro. Tinha um cheiro horrível, coitadinho!!! Neste momento, eu quis nunca ter estado lá.
O impacto disso foi tão grande, que eu não tive mais reação nenhuma, apenas me resignei, entreguei o bebê para a irmã e deixei as crianças pegarem nas minhas mãos e me levarem para a caverna de Buda, pensando que tudo isso tinha que fazer algum sentido.
Próximo à chegada da caverna, elas pararam, largaram as minhas mãos e ficaram sentadinhas na escada. Eu me despedi delas e continuei subindo com o grupo, sem entender o turbilhão que estava se passando dentro de mim.
Entrei na caverna com o grupo, meditei, tentando reunir forças para me estruturar de novo. Tudo o que eu queria era que nada disso tivesse acontecido. Tudo que eu desejava era ficar sozinha e me isolar do mundo.
Quando descemos para ir embora, quem nos esperava? As crianças, é claro! E cheias de sorrisos e cheias de carinho. Para elas, tudo aquilo era diversão. Para mim, era trabalho forçado, era crueldade. Para mim, aquelas crianças não tinham que estar ali. Deveriam estar em casa, na escola, sendo amadas, cuidadas e protegidas pelos pais.
Naturalmente pegaram nas minhas mãos, mas desta vez eu não corri. Perto da chegada, elas voltaram correndo para as suas mães.
Meio tonta ainda, fiquei paralisada e as observando irem embora. De repente, outras tantas crianças me rodearam, pedindo mais dinheiro. Não sei quanto tempo fiquei ali olhando para o rosto delas, sem fazer nada nem dar nada, mas acho que foi muito tempo, porque recebi uma baita bronca do guia, pela minha demora de entrar no ônibus.
Moral da história.... Buda me ensinou que não adianta só ter um coração compassivo, é preciso ter um coração forte para que a alma não sofra. É preciso encarar os problemas com mais leveza. É preciso aprender a se distanciar um pouco da dura realidade, para que o discernimento aflore e ajude a transformá-la.
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