A Monja e a Influenciadora

Em terras distantes, vive uma monja budista chamada Ani Pema Khandro (foto abaixo). Nos altos de seus 82 anos, ela vive em uma pequena caverna em Tso Pema (Índia), onde pratica meditação continuamente. Estima-se que nos últimos 30 anos, ela já tenha recitado mais de um bilhão de vezes o mantra Om Mani Padme Hum (mantra da compaixão) voltado à humanidade. Como alguém pode querer se retirar do convívio social para se dedicar 24 horas por dia a práticas introspectivas e devocionais com tanto afinco e disciplina? Khandro escolheu um caminho baseado na reclusão, simplicidade e silêncio. Sem luxo ou regalias, a monja segue uma rotina cheia de repetições em que distrações não fazem parte do seu léxico diário. 

Em terras mais próximas, vive uma influenciadora que chamaremos aqui pelo nome de  "Lívia". Imersa na sua mansão, ela abre as portas de sua vida privada para dezenas de milhões de seguidores. Tudo é motivo para postar, do mamão do café da manhã ao nascimento do filho. Câmeras 24 horas atentas às mais corriqueiras situações até os momentos épicos - tudo é motivo para produzir conteúdo que, por sua vez, se tornará em grande parte, vendas ou patrocínios. O mais impressionante da trajetória de Lívia não é a sua expertise como blogueira, é a sua horda de milhões de fãs (e não apenas seguidores), dando-lhe fiéis curtidas ou esperando ansiosamente pelo próximo story.

Refletindo sobre os diversos valores que levam um ser humano a ganhar notoriedade em uma sociedade, as glórias na contemporaneidade parecem que estão voltadas à autoprojeção nas redes sociais. As gigantes plataformas formaram um monopólio da atenção em que quem tem mais, leva o leilão da fama. 

Enquanto a monja ouve o próprio eco dos seus mantras em sua caverna, a influenciadora busca incessantemente o barulho da repercussão de suas postagens no país afora. A primeira não quer ser adorada, almeja apenas viver os seus dias em estados prolongados de contemplação. A segunda, mesmo que declare gratidão aos quatro ventos, tem a sua vida voltada para quem a olha; o seu alvo são os dedos de seus seguidores que possam gerar-lhe engajamento e vendas.

Enquanto a monja fecha os seus olhos propositalmente para potencializar as suas práticas meditativas, a influenciadora os mantêm bem abertos para enxergar a próxima tendência dos algoritmos ou novos ganchos mercadológicos. 

A monja e a influenciadora habitam o mesmíssimo planeta, apesar de viverem em mundos distintos.

A história se repete. Há um relato que quando o Alexandre O Grande chegou na Índia, ele se deparou com um gimnosofista que aqui podemos chamar de sadhu, ele perguntou ao homem o que ele fazia ali parado, então, o sábio nú disse-lhe: "estou experimentando o nada, e tu? O que fazes?". Alexandre orgulhosamente respondeu: "eu conquisto o mundo".

Alexandre O Grande e a influenciadora têm muito mais em comum que se imagina, apesar dos quase dois mil e quatrocentos anos que os separam. Assim como o gimnosofista está muito mais alinhado com as prioridades da monja. Então, será que a história na humanidade se repete mesmo ou são diferentes seres humanos com as mesmas aspirações opostas que resistem ao tempo?  

Tomara que daqui a dois mil anos, a Terra possa ter uma outra história para contar, afastada de ambições estéreis e mais voltada à compaixão.

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